segunda-feira, 6 de julho de 2009

JACKO


Vivi quase todos esses anos de minha vida em paralelo à vida de Michael. Tenho 48 anos e ele faria 51. Quando ele começou a cantar aos 5 eu tinha 3 aninhos completos. Mas só fomos nos conhecer lá pelos anos 70, eu já vendo novela - Carinhoso, com Regina Duarte, Marcos Paulo e Cláudio Marzo e ele com vozinha de criança cantando Music And Me. Nas primeiras festinhas que fui já dançava de rosto rubro e colado Ben e All Be There. De tarde tomava vitamina e comia Biscoitos Tupy (melhores eu nunca vi!) assistindo na tv a série animada dos Jackson 5.

Acostumei-me assim a dividir a existência com um menino americano negro, cheio de bossa e suíngue, com uma carinha risonha que a minha pré adolescência feliz jamais pudera imaginar que sofresse. Nunca pensei se era fã de Michael, mas hoje me dou conta de que todo o inglês que sabia cabia nas letras daquelas músicas, mas músicas americanas povoavam tão somente as festinhas que ia para paquerar colegas da escola.

Só lembro de Michael criança e depois, já ficando meio branco, de nariz fino e cabelos encaracolados, dançando o passo da lua, fazendo trejeitos personalíssimos e chapando todo mundo com aqueles fantásticos clipes de Thriller , Billie Jean e Bad. Nada sei do tempo que se passou entre um e outro, mas sabia que crescíamos juntos e que ele e sua irmã, La Toya, iam ficando a mesma cara. Li em algum lugar que seu objetivo era ficar igual a Diana Ross - e ainda assim não desconfiei que sofresse.

Todas as outras bizarrices chegaram a mim sem causar espanto ou emoção mínima. Apenas acompanhava a vida que vai passando com a sua naturalidade. Casou-se com a filha de Elvis, construiu a Terra do Nunca, disse que tinha vitiligo, veio gravar com o Olodum, teve filhos com a enfermeira, molestou o menino esquecido pela família que a essa altura também já crescera, comprou as músicas dos Beatles, morou numa bolha por um tempo e foi ficando cada vez mais parecido com o ET, telefone, minha casa - a essa altura mais branco que eu, só que feio, com um nariz muito estranho, um lissíssimo cabelo chanel e uma máscara dessas que hoje estão na moda por conta da gripe suína. Comecei a me dar conta de que sofria...

Quando no São João anunciaram a morte de Jacko minha vida parou por alguns instantes. Dei-me conta que vivera todos aqueles anos em sua companhia, como um vizinho de longas datas, um colega de escola primária que faz conosco o ginásio, o colegial e a faculdade, e que vamos encontrando vida afora no supermercado, posto de gasolina, no carnaval, no shopping center, sem nos dar conta. Apenas um alegre oi, tudo bem? e a inconsciente constatação de que ainda está vivo e mora por perto. Sabemos se fez sucesso, mas nada de suas tragédias íntimas. E com sua parada cardíaca me dou conta de sua baixa auto-estima, sua incapacidade de crescer e sua gigantesca solidão. E todos esses anos se condensam em fração de segundos e pesam insuportavelmente em meu peito. Não o suspeitava tão transversalmente próximo.

8 comentários:

aeronauta disse...

Texto muito muito bonito. De uma nostalgia tocante, de uma verdade surpreendente e que diz de maneira profunda sobre a solidão e a solidariedade de memórias compartilhadas. Parabéns.

Unknown disse...

Fernandinha, você me emocionou.
Você escreve bem pra caráio.

Unknown disse...

Que bom vc de volta Nanda,é delicioso passar no seu blog e aprender com seus textos discretos e instigantes.Dez pra Michael e 2 de Julho.VIVA!!!!!!!!

Anônimo disse...

Oi Nanda, adorei o texto e a forma como vc escreveu tocou fundo em mim... hoje conhecendo um pouco mais a estória da vida de Michael vejo-o com outros olhos e chego a ter compaixão por ele... paro de pensar no jeito excêntrico dele e vejo que ele queria ser o "Peter Pan", pois teve sua infância roubada... era uma pessoa solitária que fazia parte da vida de milhões de outras pessoas...

daseixas disse...

Oi Nanda,
Apesar de não ter acompanhado toda a tragetória dele, afinal me dei conta que ele existia com triller, sempre o achei um bom artista e realmente não me preocupava muito com as suas mazelas.
Hoje, acho que será uma figura que fará falta ao mundo da arte.
Que ele encontre o seu caminho de felicidades, onde estiver,

Mônica Abud disse...

É Nanda...... agora Michael terá que se encontrar consigo e descobrir quem ele realmente é!
Quem sabe um dia, quando tb estivermos do lado de lá, descobriremos o verdadeiro Michael. Porém duvido- nosso colega de colégio, de farra,de paqueras.... muito provavelmente não significará muito quando estivermos do outro lado.
Por enquanto é pedir que esteja protegido pelos bons anjos!!!
bjs

João Ramiro disse...

Fernanda, Parabéns pela clareza e lealdade que voçê escreve...

Blog do Pavim disse...

Gostei, Fernanda; entrei no google só para pesquisar o sentido correto da palavra anturragem e foi aí que encontrei o seu blog; li o artigo sobre o seu Jacko e gostei como transcorre tranquila a sua escrita; parabéns, mulher !!!
Tenho um blog que comecei a montar, se quiseres consultar: www.blogdopavim.blogspot.com; terei como objetivo ajudar algumas pessoas que me procuram, pedindo orientaçoes sobre questões de engenharia, mais precisamente sobre obras; abraço/Pavim