Vivi quase todos esses anos de minha vida em paralelo à vida de Michael. Tenho 48 anos e ele faria 51. Quando ele começou a cantar aos 5 eu tinha 3 aninhos completos. Mas só fomos nos conhecer lá pelos anos 70, eu já vendo novela - Carinhoso, com Regina Duarte, Marcos Paulo e Cláudio Marzo e ele com vozinha de criança cantando Music And Me. Nas primeiras festinhas que fui já dançava de rosto rubro e colado Ben e All Be There. De tarde tomava vitamina e comia Biscoitos Tupy (melhores eu nunca vi!) assistindo na tv a série animada dos Jackson 5.
Acostumei-me assim a dividir a existência com um menino americano negro, cheio de bossa e suíngue, com uma carinha risonha que a minha pré adolescência feliz jamais pudera imaginar que sofresse. Nunca pensei se era fã de Michael, mas hoje me dou conta de que todo o inglês que sabia cabia nas letras daquelas músicas, mas músicas americanas povoavam tão somente as festinhas que ia para paquerar colegas da escola.
Só lembro de Michael criança e depois, já ficando meio branco, de nariz fino e cabelos encaracolados, dançando o passo da lua, fazendo trejeitos personalíssimos e chapando todo mundo com aqueles fantásticos clipes de Thriller , Billie Jean e Bad. Nada sei do tempo que se passou entre um e outro, mas sabia que crescíamos juntos e que ele e sua irmã, La Toya, iam ficando a mesma cara. Li em algum lugar que seu objetivo era ficar igual a Diana Ross - e ainda assim não desconfiei que sofresse.
Todas as outras bizarrices chegaram a mim sem causar espanto ou emoção mínima. Apenas acompanhava a vida que vai passando com a sua naturalidade. Casou-se com a filha de Elvis, construiu a Terra do Nunca, disse que tinha vitiligo, veio gravar com o Olodum, teve filhos com a enfermeira, molestou o menino esquecido pela família que a essa altura também já crescera, comprou as músicas dos Beatles, morou numa bolha por um tempo e foi ficando cada vez mais parecido com o ET, telefone, minha casa - a essa altura mais branco que eu, só que feio, com um nariz muito estranho, um lissíssimo cabelo chanel e uma máscara dessas que hoje estão na moda por conta da gripe suína. Comecei a me dar conta de que sofria...
Quando no São João anunciaram a morte de Jacko minha vida parou por alguns instantes. Dei-me conta que vivera todos aqueles anos em sua companhia, como um vizinho de longas datas, um colega de escola primária que faz conosco o ginásio, o colegial e a faculdade, e que vamos encontrando vida afora no supermercado, posto de gasolina, no carnaval, no shopping center, sem nos dar conta. Apenas um alegre oi, tudo bem? e a inconsciente constatação de que ainda está vivo e mora por perto. Sabemos se fez sucesso, mas nada de suas tragédias íntimas. E com sua parada cardíaca me dou conta de sua baixa auto-estima, sua incapacidade de crescer e sua gigantesca solidão. E todos esses anos se condensam em fração de segundos e pesam insuportavelmente em meu peito. Não o suspeitava tão transversalmente próximo.